Rombo na Americanas: quem perdeu e quem ganhou com prejuízos que devem render batalha na Justiça

A empresa de varejo já perdeu mais de R$ 9 bilhões em valor de mercado desde que foi anunciado uma 'inconsistência' de R$ 20 bilhões na sua contabilidade. Os maiores prejudicados até agora são as dezenas de milhares de investidores que têm ações da companhia, que enfrenta cobranças de bancos e processos por causa da crise.

Rombo na Americanas: quem perdeu e quem ganhou com prejuízos que devem render batalha na Justiça

"A busca por reparação de danos não é um processo rápido. Não será em horas, dias ou semanas, mas o caminho mais adequado é a arbitragem", afirma.

O analista José Eduardo Daronco afirma que havia uma grande demanda pela Americanas no mercado porque a empresa vinha crescendo e poderia aumentar ainda mais suas vendas com a expansão do comércio eletrônico.

"Havia várias recomendações de compra das ações da Americanas por analistas que projetavam que seu preço poderia chegar a R$ 30, R$ 36, R$ 37", afirma.

No portal de relação com investidores, a Americanas lista as recomendações, e 10 entre as 15 informadas indicavam que a ação da companhia atingiria um valor acima do que era negociado antes da crise.

Daronco afirma, no entanto, que não acreditava neste potencial, porque a empresa está em um mercado muito competitivo e vem registrando prejuízos nos últimos trimestres e se endividando para crescer.

"A Americanas, assim como todo o varejo, tem sofrido bastante com a inflação, que corrói o poder compra e faz com que as pessoas consumam menos, o que aumenta a competição. Além disso, os juros altos vinham corroendo seus resultados. Ela estava alavancada e queimando caixa", diz o analista.

 

 

Agora, tem um rombo para tapar, e "isso pesou muito", afirma Daronco.

 

Os principais acionistas

 

Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Herrmann Telles são os maiores acionistas do negócio — Foto: 3G Capital

Ninguém teve um prejuízo maior até agora que o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira.

Eles já comandaram a empresa e tiveram seu controle acionário. Hoje, são seus acionistas de referência, individualmente ou por meio de fundos.

São chamados assim aqueles que têm uma participação mais relevante em uma companhia e podem influenciar na sua gestão por causa disso.

Lemann e Sicupira também são membros do conselho de administração da companhia.

Os acionistas de referência são donos de 30,13% da Americanas, de acordo com dados da empresa de dezembro de 2022. Eles já perderam mais de R$ 2,73 bilhões com a queda das ações até agora.

 

 

Americanas disse que "os acionistas de referência (...), presentes no quadro acionário há mais de 40 anos, informaram ao conselho de administração que pretendem continuar suportando a companhia".

Eles devem agora desembolsar ao menos R$ 6 bilhões para injetar o capital que a Americanas precisa para cobrir o rombo.

A proposta foi feita, segundo a agência Bloomberg, em uma reunião com os credores da empresa mediada pelo ex-presidente Sergio Rial, que agora trabalha como consultor destes acionistas.

A oferta não agradou os credores, que responderam que o valor é baixo e esperam mais de R$ 10 bilhões, informou a agência.

Eles terão que fazer isso para a Americanas não falir e preservar sua imagem perante o mercado, diz Fernando Ferrer, da Empiricus.

"Essa crise gera um risco reputacional grande não só para a companhia como para os seus acionistas de referência. O quanto antes eles aparecerem e conversarem com o mercado, menor vai ser o desgaste", afirma.

Não houve nenhuma manifestação oficial por parte destes acionistas até o momento.

Mas, segundo apurou o site Reset, Lemann, Sicupira e Telles dizem a pessoas próximas que não têm culpa pelo rombo porque tinham pouco contato com o dia-a-dia do negócio e responsabilizam os executivos da Americanas.

 

 

 

Disputas na Justiça

 

Os bancos que emprestaram dinheiro para a Americanas também foram envolvidos nesta crise.

Americanas conseguiu na Justiça impedir por 30 dias a cobrança antecipada de suas dívidas pelos bancos.

A empresa disse que seu endividamento chega a R$ 40 bilhões e que atender aos pedidos de cobrança poderia gerar um tratamento desigual entre seus credores e colocar sua operação e os 100 mil empregos diretos e indiretos gerados pelo negócio em risco.

A dívida da empresa com os bancos é de R$ 18,7 bilhões, segundo apurou o jornal Valor Econômico, dos quais R$ 13,5 bilhões seriam em risco sacado.

Os maiores credores seriam Bradesco, Santander e Itaú, com valores entre R$ 3,4 bilhões e R$ 4,7 bilhões, de acordo com o jornal.

Um destes bancos, o BTG, tentou sem sucesso reverter judicialmente a moratória das cobranças. Na ação, o banco fez duras críticas à Americanas e aos seus acionistas de referência.

O BTG disse que a companhia agiu premeditadamente e com má-fé para cometer a "maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país".

O banco apontou como evidência disso o fato de que diretores da companhia venderam R$ 223 milhões em ações entre julho e outubro do ano passado.

 

 

O Ministério Público Federal de São Paulo disse que vai apurar se eles cometeram crimes. A suspeita levantada é de que eles poderiam ter conhecimento do rombo e venderam ações para não ter prejuízo, o que seria ilegal.

Americanas não comentou sobre a venda de ações por sua diretoria.

O BTG disse ainda sobre Lemann, Telles e Sicupira que "os três homens mais ricos do Brasil (...) ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial 'do bem'", depois de serem "pegos com a mão no caixa", tiveram a "pachorra" de impedir a cobrança das dívidas para proteger seu patrimônio, estimado em R$ 180 bilhões, segundo o banco.

"É o fraudador pedindo às barras da Justiça proteção 'contra' a sua própria fraude. É o fraudador cumprindo a sua própria profecia, dando verdadeiramente 'uma de maluco para esses caras saberem que é pra valer'", disse o BTG na ação.

O Bank of America também não teve sucesso ao recorrer à Justiça, segundo o Valor, e outros bancos podem acionar a empresa, conforme o andamento das negociações da Americanas com seus credores, que está sendo mediada pelo banco Rothschild & Co.

O analista Fernando Ferrer diz que a negociação é uma perspectiva melhor para os bancos do que se a empresa entrar em um processo de recuperação judicial.

 

 

"Enquanto estiver em recuperação, as dívidas não poderão ser executadas, e o banco terá que dar um perdão de parte do valor. Aí, os bancos receberão a metade do que emprestaram no dobro de tempo", afirma.

 

Quem ganhou?

 

Em meio a tanto prejuízo, os únicos que saíram "ganhando" nesta crise são os concorrentes da Americanas, dizem analistas.

Phil Soares, da Órama, diz que a Americanas tem uma grande participação de mercado e vinha crescendo em um ritmo acelerado.

"Agora, não vai conseguir manter esse ritmo, e os outros varejistas terão a chance de tomar para si a participação de mercado da Americanas", diz.

O mercado tem sinalizado nesta direção ao comprar ações de concorrentes como Magazine Luiza, que viu suas ações se valorizarem 27% entre quarta-feira e segunda-feira.

O preço da ação do Mercado Livre teve um aumento de 20% no mesmo período.

"Já começamos a ver fornecedores, com a perspectiva de não receber da Americanas, aumentarem seu lastro com outros varejistas", diz Ferrer.

A crise da Americanas deve alterar a competição neste mercado e favorecer outras companhias do varejo.

Americanas não deve quebrar, diz o analista, mas provavelmente vai diminuir de tamanho e perder consumidores que, por receio de não receber seus produtos, vão comprar de outras empresas.

 

"Eles terão que arrumar a casa, enquanto isso os competidores vão aproveitar essa oportunidade."

 

fonte https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/18/rombo-na-americanas-quem-perdeu-e-quem-ganhou-com-prejuizos-que-devem-render-batalha-na-justica