Sharenting: os riscos de expor os filhos nas redes sociais (mesmo os bebês); especialistas explicam
Enquanto a coleção de fotos reveladas organizadas em álbuns de família se torna algo cada vez mais parte do passado, postar na internet o crescimento dos filhos e mostrar suas conquistas de desenvolvimento se apresenta como a alternativa do mundo de hoje.
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Mas, ainda que pareça algo inofensivo, o simples ato de compartilhar fotos da criança mostrando as gengivas banguelas ou até mesmo um vídeo em que o bebê fala pela primeira vez deve se tornar um motivo de atenção para os pais.
O assunto veio à tona recentemente com o casal de influenciadores e ex-BBBs Viih Tube e Eliezer. Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, eles contaram que a filha Lua, de apenas 7 meses, já sofre ataques na internet.
A prática foi nomeada de “sharenting” em 2012 pela publicação americana The Wall Street Journal, e vem da combinação das palavras do inglês “share” (compartilhar) e “parenting” (cuidado parental). Um levantamento feito pela Security.org, empresa americana especializada em proteção de dados, mostrou que 29% dos pais nunca pedem permissão antes de compartilhar mídias vinculadas ao filho.
Dentro do conceito de sharenting, não há uma definição fixa para “mínimo” ou “máximo”. Por outro lado, ele é compreendido como o compartilhamento constante, a partir do qual é possível verificar várias fases de vida da criança.
Um levantamento realizado pela Nominet, empresa britânica responsável pelo domínio .uk, mostrou que, em média, os pais postam cerca de 195 fotos por ano dos filhos com menos de 5 anos, e eles já aparecem em cerca de mil fotografias divulgadas nas redes até o quinto aniversário.
Em uma fala proferida durante sua palestra TEDx, a professora de direito da Universidade da Flórida, Stacey Steinberg, autora do livro “Growing up shared” (“Crescimento compartilhado”, traduzido do inglês), enfatiza que hoje em dia existe uma grande preocupação sobre o acesso dado a menores de idade às redes sociais. Enquanto isso, deixa-se de lado as consequências causadas pelo compartilhamento impensado de imagens e vídeos por parte dos adultos responsáveis.
“Nossas crianças têm sua própria identidade digital muito antes de darem seu primeiro passo (no Instagram)”, afirma. Além disso, ela chama atenção para um distanciamento da vida real. “Quando tiramos uma foto e compartilhamos na mesma hora, nós saímos daquele momento e deixamos as pessoas que estão bem na nossa frente. Muitas vezes essas pessoas são nossos próprios filhos”, completa.
A vontade de compartilhar as pequenas conquistas com familiares e amigos, junto à consequente liberação de dopamina causada pelas interações provindas das postagens, faz com que pais acabem cedendo à pressão social de manter suas contas atualizadas com informações dos seus filhos.
Gosto por ‘likes’
A quantidade de curtidas e comentários em uma foto pode não ter grande significado quando colocada no contexto da vida real. Falar abertamente sobre a importância dada aos próprios “likes”, quando não se é influenciador digital, pode não ser bem visto pelas pessoas ao redor. No entanto, no universo digital todos sabem que existe uma competição pela maior quantidade deles, na busca por se sentir realmente “aceito”, ou até mesmo “belo”, aos olhos daquela comunidade virtual.
Diante disso, a pediatra Liubiana Arantes de Araújo, presidente do Departamento de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), afirma que as postagens treinam o cérebro da criança desde cedo a se viciar na mesma dopamina experimentada pelos pais quando a postagem deles ganha mais visibilidade.
A dopamina é um neurotransmissor ligado à sensação de prazer e aos estados de humor. Quando acionada em grandes quantidades, principalmente pelo sistema de recompensa ativado pela validação encontrada nas redes, pode se tornar uma vilã.
Uma pesquisa realizada pela Universidade do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, mostrou que postar no Facebook e ter reconhecimento público ativa as mesmas áreas cerebrais envolvidas no vício em cocaína.
A pesquisadora Anna Lembke, especialista em dependência que é referência mundial na área, aborda em seu livro “Dopamine nation” (“Nação dopamina”, em tradução livre do inglês) o crescimento vertiginoso do uso do celular como um estímulo que buscamos o tempo todo em busca do prazer encontrado no mundo digital.
— Existe o risco que essa exposição recorrente, ainda que indireta, potencialmente leve a uma supervalorização das redes sociais a partir desse reconhecimento pelo “like” — adverte a pediatra.
De acordo com Liubiana Araújo, a implicação direta da supervalorização do mundo virtual pode distanciar a criança da realidade, que apresenta dificuldades e imperfeições.
Além disso, ela aponta que também se cria um território favorável na mente do futuro adolescente para o desenvolvimento de transtornos mentais desencadeados pelas pressões e cobranças observadas no ambiente virtual.
— Essa presença constante pode causar um aumento do risco de depressão e do transtorno de ansiedade. Ao inserir a criança naquele universo, você vai treinando ela, desde pequena a valorizar muito a busca pela rede social — pondera.
Marcas na autoestima
Ainda que as implicações do ato de compartilhar fotos e vídeos sejam da ordem dos direitos do uso de imagem, as consequências também podem ser sentidas psicologicamente.
Segundo a psicóloga clínica Laura Quadros, professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os filhos não são propriedades dos pais e nem objetos de exibição, portanto, a exposição forçada é uma invasão do direito da criança de se preservar.
— Essa exposição pode gerar desconforto e, sobretudo, uma quebra de confiança da criança em relação àqueles que deveriam zelar por ela. Dependendo do tipo de postagem, pode se sentir ridicularizada ou estereotipada, deixando marcas na sua autoestima a longo prazo — explica.
De acordo com a psicóloga, um exemplo extremo seria a transformação da criança em um meme, situação na qual apenas uma imagem ou vídeo é replicado centenas de vezes com teor humorístico.
Como agir?
No entanto, para muitas famílias compartilhar os progressos dos filhos pode ser uma forma de estar mais perto de amigos e familiares.
Nesses casos, o primeiro passo é compreender que as redes sociais têm o poder de afetar a formação da identidade. Por isso, exige cautela por parte dos pais e responsáveis quanto ao compartilhamento nelas. Deve ser considerado que bebês e crianças ainda não podem escolher se querem suas fotos compartilhadas ou não, ou seja, não há consentimento.
Desta forma, algumas dicas podem ser seguida, conforme recomenda a psicóloga:
- Preservar o rosto da criança em todas as postagens;
- Evitar criar perfis voltados exclusivamente para expor a rotina do menor de idade;
- Quando quiser compartilhar, registrar fotos mais genéricas, tipo foto onde está toda a família reunida e não a criança em foto isolada.
Além disso, a diferença entre o alcance que uma foto infantil pode ter é determinado pela segurança provida pelo perfil dos pais. É importante saber quem está presente na lista de seguidores.